domingo, 24 de novembro de 2013

Olá! 
Compartilho aqui, de forma livre, com um tiquinho de humor, meu processo criativo dentro do Via Expressa. 

Muitas coisas me levaram a desenvolver este projeto. 
E muita coisa mudou desde a sua concepção original. A princípio, foi uma curiosidade política e histórica. Quem foi determinada pessoa que deu nome a esta rua?! Por que não informar ao morador a sua própria história?! Você pode passar pela Agamenon Magalhães todos os dias...Mas quem foi esta pessoa?!
E a rua da Saudade?! Por que é chamada assim?!
Estamos em Recife."A cidade foi bombardeada!" 
Se andamos em calçadas sujas e quebradas, com fossas estouradas a cada quarteirão...parece "normal" a falta de sinalização e informação. Segue-se o caminho do caos. E é nele que mergulho. Crio outros caminhos. De afeto, história, fato e(falta de)memória. 

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Meu pai, carioca, morou durante sua juventude em Ipanema. Na Rua Joaquim Nabuco. Anos depois, mudaria-se para Recife, no bairro do Derby, em rua de mesmo nome. 
Logo, não há como falar de Joaquim Nabuco, sem que eu pense, de forma instantânea, em meu pai. 
A história começa a misturar-se, dando vazão à criação: 

"Joaquim Aurélio Teixeira Nabuco de Sampaio foi um político, engenheiro, diplomata, historiador, jurista e jornalista brasileiro formado pela Faculdade de Direito do Recife". 
Nasceu em Recife, mas ainda jovem foi viver no Rio de Janeiro, no bairro de Ipanema. Foi precursor do movimento hippie. Pasmem! Em 1869!! Antes do movimento hippie se quer sonhar em existir. Um homem de ideal libertário, é mais conhecido por lutar contra a escravidão no Brasil. Pregava também a liberdade religiosa, num brasil ainda católico.
"Enquanto a Igreja Católica estiver, diante das outras seitas, em uma situação privilegiada (…), os nobres deputados hão de admitir que (…) ela vai fazer ao próprio Estado, de cuja proteção se prevalece, uma concorrência poderosa no terreno verdadeiramente leigo e nacional do ensino superior. Se os nobres deputados querem conceder maiores franquezas, novos forais à Igreja Católica, então separem-na do Estado.". 
Joaquim Nabuco nunca se casou. Pregava o amor livre e a poligamia. Teve muitas filhas, todas mulheres. 

Este é o 1º personagem da nossa história.

Joaquim Nabuco, 1880






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Elegi assim algumas ruas: Rua Joaquim Nabuco, Rua do Futuro, Rua Nicarágua, Rua Só Nós Dois, Rua 2 de Julho e Travessa das Almas. É através de suas nomenclaturas que busco histórias. Crio outras.  Personagens reais viram ficção. Tudo se funde..Tudo se confunde!

Nasce um mapa afetivo. Para cada rua: uma pessoa. Uma História. Essas histórias, de alguma forma se cruzam com a história da rua e com a minha própria. Analiso elementos através de pesquisas via internet, arquivos públicos, etc. Com essas informações, crio os  personagens e nasce o trabalho. É uma relação triangular: 

- a pessoa (vida) 
- a rua (dados históricos) 
- o personagem (ficção: vida + dados históricos)

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No centro do Recife há uma rua conhecida como "Rua da Imperatriz". Nela, existe uma padaria de mesmo nome. É nela que trabalha Fátima. Uma mulher batalhadora. Portuguesa e muito simpática!
Frequentando a padaria, passei a observá-la por algum tempo. Aquela mulher para mim, Sim! Representava a Imperatriz. Uma Imperatriz contemporânea, como tantas outras mulheres! É a vida corrida que todos nós conhecemos. A velha luta pela sobrevivência. Mas ali naquela padaria existe um reino. Enquanto as garçonetes dançam atrás do balcão aos comandos da Imperatriz...Eu viajo. A Imperatriz Tereza Cristina dá lugar então a nossa Imperatriz contemporânea: Fátima Garcia. 

Nascida em Famalicão, Braga, Portugal, em 8 de março de 1859, viveu a infância em um orfanato. Só aos 12 anos conheceu sua mãe. Fátima   chegou ao Brasil por conta própria em 1885, com 26 anos. O casamento com D. Pedro II ocorrera por procuração, alguns anos antes, na Real Capela Palatina, em Nápoles. Depois de uma breve "Lua de Mel", a Imperatriz teria causado grande decepção ao marido, por não se adequar ao conservadorismo da época. A Imperatriz logo iria abandonar Dom Pedro, abdicando de seu título de nobreza e desfrutando de uma vida comum junto a plebe.
Fátima Garcia abriu uma padaria e criou sozinha sua única filha.

Imperatriz Fátima Garcia, 1877








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Foi ali na Rua Só Nós Dois que nasceu o amor. No Brejo da Guabiraba, em Recife. Ele trabalha durante a semana enquanto ela fica em casa com as crianças. No fim de semana, os papéis se invertem. Mas todo dia tem uma noite. E só as noites, são dos dois.

Eu não a conhecia. Foi através do mapa da cidade do Recife que achei a Rua Só Nós Dois. Não encontrei informações históricas sobre a origem da rua em minhas pesquisas. Tão pouco esse era o foco principal. O que descobri sobre a rua, foi através dos próprios moradores, os quais disseram que o nome desta rua era devido a um motel que existia ali próximo: Motel Só Nós Dois. 
Como faz parte do trabalho, fui atrás das histórias pessoais que serviriam como elemento pulsante da criação. Conheci então Bruna e Tiago. Casal de moradores desta rua. Depois de muita conversa, o trabalho resultou num ensaio de fotografia + vídeo.  


Tiago da Silva Batista e Bruna Santos Ferreira |(data desconhecida)
Talvez  a coisa mais interessante deste trabalho tenha sido justamente isso: Envolver pessoas. E foi através delas que pude conhecer um pouco mais sobre os caminhos humanos e sociais tão diversos. Conhecer mais a cidade e a nós mesmos.



 

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Rua 2 de Julho.
Em 2 de julho de 1824, Manuel de Carvalho Pais de Andrade proclama a Confederação do Equador.
"A Confederação do Equador foi um movimento revolucionário, de caráter separatista e republicano, ocorrido em 1824 no Nordeste do Brasil, tendo como centro irradiador a província de Pernambuco. Representou a principal reação contra a tendência absolutista e a política centralizadora do governo de D. Pedro I (1822-1831), esboçada na Carta Outorgada de 1824, a primeira Constituição do país. A revolução queria a formação de uma república baseada na constituição da Colômbia."fonte wikipédia
Em 2 de Julho de 1980, nasce Sabrina Carvalho: Amiga, taróloga, mãe, cantora, escritora... entre tantas outras coisas. 

Pronto. Já tenho dados suficientes para o início a nossa história fictícia. Vale salientar, que na exposição, eu não revelei nenhuma dessas histórias. Os personagens foram expostos como reais, dentro daquele contexto. A intenção era que o próprio espectador se questionasse sobre as informações ali expostas.
Como se dá a nossa interpretação de mundo, vinda das informações que obtemos, do meio em que circulamos e das distintas conexões que criamos. 



Sabrina Carvalho tem uma personagem, de sua autoria, chamado Bina Botella. Bina é uma cigana.  Aqui começa então todo o nosso delírio: 
Foi Bina Botella que proclamou a independência de Pernambuco, e não Manuel. Ela acompanha seus parceiros, entre eles Frei Caneca (seu amante e companheiro de tabernas) e Manuel Carvalho (primo-irmão de Bina). Foi uma das peças fundamentais desta revolução. Conseguiu prever muitas das atrocidades que ali aconteceram. Mesmo não podendo evitar a desgraça, Bina alertou seus companheiros. Não se soube o paradeiro de Bina. Sumiu ainda no ano de 1824. 

Sabrina Carvalho | Bina Botella 1817






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Rua Nicarágua.
Voltamos à família. É a rua da casa onde cresci. Eu, nascida de uma recaída. Gêmea. Filha de pais separados. Mãe chilena. 
A mãe. O quadro na parede do quarto dela. Tinha a poesia de Ernesto Cardenal. Eu pensava: aquela mulher do quadro era ela. Era uma mulher de costas. Cabelos longos.Só podia ser ela. 
"Al perderte yo a ti tú y yo hemos perdido:
yo porque tú eras lo que yo más amaba
y tú porque yo era el que te amaba más.
Pero de nosotros dos tú pierdes más que yo:
porque yo podré amar a otras como te amaba a ti
pero a ti no te amarán como te amaba yo." 

Ernesto Cardenal > Nicarágua > Revolução Sandinista >

Foi em 1973 que Ana Del Pilar chegou pela 1ª vez ao Brasil. Ela, guerrilheira sandinista, deixa a Nicarágua em busca de refúgio. Ainda na Nicarágua, trabalhava como modelo para campanhas publicitárias. Conquistando fama e dinherio, participou ativamente da Frente Sandinista de Liberacion Nacional, investido em armas e táticas de guerra. 
Após perder marido brasilerio em umas das ações de combate, chega ao Brasil apenas com a roupa do corpo e alguns poucos pertences. Está grávida do Comandante Marcos.
Alguns anos depois, volta a Nicarágua e, junto com outros guerrilheiros, como Carlos Fonseca, Silvio Mayorga e Tomás Borge.
Em 1979, a FSLN derruba o ditador Anastasio Somoza Debayle, acabando com a dinastia da família Somoza e estabelecendo um governo revolucionário em seu lugar. Após conquistarem o poder, os sandinistas governaram a Nicarágua de 1979 a 1990. Ana Del Pilar, ainda no ano de 1979 volta ao Brasil onde passa a viver com sua filha. 
É homenageada pela República Federativa do Brasil, dando nome assim a rua a qual passou a viver, em Recife, no bairro do espinheiro: Rua Nicarágua.







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Rua do Futuro - Homenagem a Mulher do Futuro: Lícia Jardim

Uma mulher sem amarras sexuais ou temporais, com personalidade forte, andrógina e com genes que misturam abelhas do gênero euglossini, as abelhas lésbicas, com os genes de seres humanos. Esse ser experimenta um estado de criptobiose onde uma pessoa pode viver outros tempos, escolhendo a fase de vida e de “morte”, suspendendo sua existência como acontece com as sementes dormentes.

Licía Jardim



  
 






Travessa das Almas
Cidade do Porto - Portugal